quinta-feira, 15 de abril de 2010

Lula instila o medo: ‘Não temos direito de retroceder’

Lula pronunciou, na noite passada, um discurso em que misturou economia e política. Utilizou um tom que fez lembrar a pregação do medo de que foi vítima no passado. Falava para empresários, em São Paulo. Na platéia, dois aliados de José Serra: o governador Alberto Goldman (PSDB) e o prefeito Gilberto Kassab (DEM).



Num instante em que o presidenciável da oposição leva ao noticiário o slogan segundo o qual “o Brasil pode mais”, Lula alfinetou:



“Nós queremos é fazer com que esse país não volte atrás. Se a gente for imaginar as incontáveis vezes que esse país teve condições de dar um salto de qualidade e se transformar numa grande economia e a quantidade de vezes que nós retrocedemos, nós não temos mais o direito de fazer isso com o país, não temos o direito”.



Depois de ligar o adversário ao risco de retrocesso, Lula cuidou de afastar a nuvem de dúvidas e incertezas que a oposição acomoda sobre o penteado de Dilma Rousseff.



Sem mencionar o nome de Mario Amato, ex-presidente da Fiesp, Lula evocou uma passagem da campanha presidencial em que foi derrotado por Fernando Collor. Amato dissera na época que, se Lula prevalecesse, 800 mil empresários brasileiros fugiriam para Miami. Lula disse:



“Acabou aquela história, quando eu era candidato, que diziam: ‘O demônio, vem aí o demônio, os empresários vão fugir pra Miami. Acabou! Esse país virou tão sério que, quem entrar pra presidir esse país vai ter que ter mais juízo do que quem está saindo. Não há mais possibilidade de brincar com o Brasil. Nós cansamos de brincadeira e de irresponsabilidade”.



Lula falou na abertura do 21º Congresso Brasileiro do Aço. Depois de dizer que o país não tem o direito de retroceder, discorreu sobre ministrados por seu governo. Realçou a política social, que Serra, em sucessivas entrevistas, diz que irá manter e aperfeiçoar:



“Todos nós aprendemos que política de distribuição de renda faz bem. Eu, quando pego as estatísticas do IBGE e vejo que a camada mais pobre das classes ‘D’ e ‘E’ consumiram mais durante a crise do que as classes ‘A’ e ‘B’, eu fico imaginando o quanto faz bem R$ 10 na mão de um pobre e o quanto faz mal alguém pegar R$ 50 milhões, guardar só pra si e não distribuir um pouquinho”.



Serra atribui os avanços do Brasil a acertos praticados nos últimos 25 anos. Em seu discurso, Lula ensaiou concordância. Disse que o Brasil, “pra chegar no ponto que está hoje”, teve de aprender as lições “dos momentos difíceis”.



“Isso não é obra de um governo, não é obra de dois governos. Isso é um processo histórico. [...] Certamente, em todos os momentos da história, você teve alguma coisa que sobrou de benéfico à economia brasileira”. A concordância parou aí.



Numa referência indireta à gestão tucana de FHC, Lula declarou: “Houve um tempo em que a gente não acreditava nas possibilidades e na capacidade de um mercado interno brasileiro, um mercado de massas”. Creditou à sua administração a adoção de “outra postura”. Utilizando o mesmo período histórico evocado por Serra, Lula só enxergou estagnação atrás de si:



“Vocês, empresários, são testemunhas, e muito fortes, de que nós tivemos quase que aproximadamente 25 anos em que os investimentos em infreaestrutura no Brasil eram muito pequenos. Contam-se nos dedos as obras que foram feitas, por conta de uma situação anômala no país. [...] Todo mundo sabe o inferno que nós vivemos durante duas décadas nesse país”.



Depois, jactou-se: “Nós agora vivemos exatamente o oposto. O Brasil tem uma economia sólida, o Brasil tem mais reservas do que dívidas, o Brasil tem uma dívida pública altamente controlada e mais baixa do que em grande parte de outros países desenvolvidos do mundo. E o país tem uma auto-estima que motiva desde o mais humilde brasileiro aos maiores empresários a acreditar que é possível fazer as coisas nesse país”.



Citou a hidrelétrica de Belo Monte, que a Justiça mandou parar. “Nós ficamos 20 anos proibidos totalmente de fazer estudos para a viabilidade da construção da hidrelétrica de Belo Monte. Não era fazer a hidrelétrica, não. Era a proibição de fazer estudos”.



Antes, na primeira parte de seu discurso, Lula situara o “último ciclo de crescimento” vivenciado pelo Brasil antes de sua chegada à presidência no governo de um presidente militar, Ernesto Geisel. Disse que, sob Geisel, o Brasil “contraiu uma dívida imensa, a 3% de juros”. Depois, “para resolver um problema da economia americana, a taxa foi para 21% E a nossa dívida ficou quase que impagável, incontrolável”.



Daí decorreram, segundo Lula, os problemas que levaram o Brasil, “durante muito tempo”, a ser percebido no mundo como uma nação que “não tinha condições de cumprir parte dos compromissos que tinha assumido”.



Em outra alfinetada no antecessor, Lula disse que fugiu da “mesmice” inspirando-se em Raul Seixas: “Ao contrário daqueles que governam sabendo tudo, eu prefiro ser uma metamorfese ambulante, estar sempre mudando, aprendendo, tentando criar condições pra gente não fazer a mesmice e tentar inovar”.



Acrescentou: “Esse país, há pouco tempo atrás, tinha parado de construir navios, esse país se dizia incompetente para produzir sondas e plataformas”. Disse que “a vantagem de perder muitas eleições é que a gente vai aprendendo a cada eleição”.



Declarou que, na década de 80, quando disputou sua primeira eleição presidencial, dizia-se que o petróleo brasileiro duraria “mais 20 anos”. “Eu trabalhava tentando imaginar o que vinha depois do petróleo”.



Atribuiu às pesquisas feitas durante sua gestão a descoberta do pré-sal. “E é isso que vai permitir a esse país prever o seu futuro”. Antes de encerrar, Lula fez um pedido aos empresários.



Disse que, afastada a pecha de “diabo” que associavam a ele no passado, os investimentos precisam ser mantidos: “Acho que, num ano eleitoral, a gente não deveria permitir que o processo criasse qualquer transtorno nas políticas de investimento”.

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